Ministério Público e Tribunal de Contas ratificam que houve sucateamento do DMAE-RS para “justificar” privatização

 

Auditores do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul – TCE-RS – apontam irregularidades, baixa qualidade dos estudos e potencial conflito de interesses em análise do contrato do DMAE – Departamento Municipal de Água e Esgoto – com o BNDES para a estruturação da privatização da autarquia.

Concluído no final de 2020, o documento produzido pelos auditores ressalta que os estudos para justificar a concessão do DMAE à iniciativa privada não demonstram vantagens à população e utilizam dados desatualizados de 2015 para apontar deficiências no atual sistema de água e esgoto.

O relatório determina a suspensão da contratação do banco e afirma que a atitude do ex-prefeito Nelson Marchezan Jr. de implantar o processo de privatização do DMAE “é censurável”, porque ocorreu em meio à precarização dos serviços e classifica sua “conduta contrária ao interesse público, desarrazoada e imprudente”.  Aliás, a investigação do TCE foi motivada por denúncias de que o prefeito Marchezan havia retirado a autonomia do órgão, diminuído o quadro de funcionário, ignorado alertas de gestores sobre os efeitos negativos da política de precarização, o que resultou numa piora na qualidade dos serviços prestados. Estima-se que, entre dezembro de 2016 e dezembro de 2019, devido à má gestão, as perdas de faturamento da autarquia tiveram um aumento da ordem de R$ 41 milhões.

Foi com base no relatório que o Ministério Público de Contas – MPC – também pediu o rompimento do acordo do DMAE com o BNDES por meio de uma cautelar. A prefeitura apresentou sua defesa às irregularidades levantadas pelo tribunal e à cautelar do MPC, que está sob análise do conselheiro titular do TCE. A expectativa é que o resultado seja divulgado nos próximos dias. Caso o resultado seja pela suspensão do contrato entre o DMAE e o BNDES, a audiência pública, marcada para 25 de fevereiro, para debater a privatização da autarquia poderá ser cancelada.

Sucatear para justificar a privatização

Dados publicados em 2020 pelo próprio DMAE revelam que o índice de capacitação trabalhadores caiu para os menores níveis dos últimos 10 anos: são pouco mais de 20h de capacitação por funcionário em 2019. Em 2014, eram mais de 74h por funcionário. O diretor do Simpa – Sindicato dos Municipários de Porto Alegre, Edson Zomar de Oliveira, explica que também houve uma drástica redução do quadro de pessoal da autarquia, que opera atualmente com menos funcionários do que tinha nos anos 1990, quando havia metade das redes de água instaladas que há hoje. “Atualmente são apenas 1.298 trabalhadores contra 2.493 em 2007”, aponta.

 

Outro exemplo do sucateamento da autarquia pode ser medido pelo percentual de atendimentos em tempo superior a 36 horas que entre 2016 e 2020 tiveram aumento significativo de 13% para 41,84%. Para o TCE, a não reposição de pessoal gera um ciclo vicioso de precarização: “Das perdas físicas decorrem perdas econômicas que se projetam na redução dos investimentos com recursos próprios, num ciclo retroalimentado, cuja origem reside na falta de pessoal.”

Arnaldo Dutra, do Conselho Deliberativo do DMAE e membro do ONDAS, explica que “o roteiro para a privatização do DMAE segue a mesma ‘receita’ de outros no Brasil e no mundo, ou seja, cria-se um ambiente hostil e depois se propõe a saída mágica: vende que resolve. Só que inúmeros exemplos indicam que não se resolve coisa alguma”. Para Dutra, um fato que precisa ser discutido é que uma eventual privatização significa inevitável aumento de tarifa. “Isso não está dito no estudo. O DMAE é uma autarquia isenta de tributação, ela não paga imposto nenhum e sua tarifa é uma das mais baixas do Brasil. Em caso de uma empresa privada, haverá uma carga tributária que será repassada ao consumidor”, analisa.

Com relação à posição da atual gestão municipal sobre a privatização do DMAE ainda não há uma conclusão. O prefeito Sebastião Melo, que tomou posse em janeiro, não se manifestou, apenas deu sequência naquilo que já estava sendo desenhado pelo governo anterior, que era a consulta pública e audiência pública. Para Arnaldo Dutra, “os elementos que levam à preocupação é que o prefeito durante a campanha eleitoral disse que a solução para o saneamento é ‘a PPP a veia’. Era o termo que ele usava nos debates”.

 

Autarquia é superavitária e tem capacidade de investimento

Apesar do processo de sucateamento, o DMAE ainda é superavitário, tem capacidade de investimento próprio, que não está usada, e todas as condições para atingir as metas da lei 14.026/2020, que alterou o marco legal do saneamento.  “O que se precisa é uma gestão eficiente, comprometida com a boa prestação de serviços à população, como sempre foi a história do DMAE”, afirma Edson Zomar.

Zomar explica também que o DMAE é um órgão extremamente atrativo para um parceiro privado, que em caso de privatização irá encontrar “uma situação em que não precisa de muito investimento. É só ganhar dinheiro”.

Arnaldo Dutra compartilha de mesma opinião: “não tem justificativa para a privatização e o estudo do TCE não aponta essa necessidade”. O DMAE hoje tem cobertura de 99,9% em abastecimento de água, portanto já atende o que determina a nova legislação. “Atende agora, não é preciso chegar 2033. E com relação ao esgotamento sanitário, o DMAE já tem construída uma estrutura para tratar 80% do esgoto da cidade e com sua arrecadação de R$ 700 milhões anuais tem todas as condições de investimento para elevar o índice para 90% antes de 2033, como prevê o requisito à empresa privada”, explica Dutra.

 

Audiência pública

Caso nenhuma decisão determinando a suspensão do contrato do DMAE com o BNDES seja definida nos próximos dias, continua agendada a audiência pública virtual para dia 25 de fevereiro, às 17h.

 

Corsan segue mesmo roteiro rumo à privatização

O governo gaúcho segue o mesmo roteiro da prefeitura de Porto Alegre, com o plano de privatizar a Corsan – Companhia Riograndense de Saneamento. Em 2020, o governo conseguiu aprovar mudanças legais na Assembleia Legislativa para facilitar a venda de empresas estaduais e, em dezembro, começou a sair do papel a maior PPP realizada no Rio Grande do Sul, com assinatura do termo de transferência à Ambiental Metrosul dos serviços prestados pela Corsan na operação do sistema de coleta e tratamento de esgoto em nove municípios da Região Metropolitana – Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Eldorado do Sul, Esteio, Gravataí, Guaíba, Sapucaia do Sul e Viamão.

O presidente do Sindiágua-RS e membro do ONDAS, Arilson Wunsch, explica que nos últimos anos gestões desastrosas estão levando a Corsan à bancarrota. “São gestões com a saga de desmanchar o bom serviço prestado pela companhia aos municípios de Rio Grande do Sul, desde a sua fundação em 1965”, lamenta. Arilson denuncia que, para entregar a Corsan à iniciativa privada, estão deixando a qualidade dos serviços de lado: “E como se faz isso? É muito simples, basta não atender direito aos usuários. A companhia está desde 2012 sem concursos públicos para nenhum dos cargos de operação e manutenção, mesmo com pessoas saindo por aposentadoria. A ideia de entrega é tão grande que o planejamento é apenas de seis meses. Ainda faz parte da “receita do bolo da privatização’ não adquirir materiais e peças de reposição de qualidade”.

Neste ano, a Corsan pretende realizar outras cinco PPPs na área de saneamento (abastecimento de água e esgotamento sanitário), visando “entregar” os serviços em 41 cidades. A estimativa é que até o final do primeiro semestre sejam realizadas as concorrências para as regiões Serra/Hortênsias, Planalto e Vale do Rio Pardo/Santa Maria. Posteriormente, serão conduzidos os processos para o Litoral e outros municípios da Região Metropolitana.

 

Fonte: Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS)

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