Nota Técnica COP Advogados
A COP Advogados, assessoria jurídica do Sindiágua, frente à conclusão, no dia 24 de outubro passado, do julgamento da 1ª Câmara do TCE/RS que anulou o leilão da CORSAN, vem fazer as seguintes considerações técnicas sobre dito julgamento e suas consequências.
Na data supra, a Conselheira Ana Moraes, relatora do processo 19728-02.0021-7, prolatou voto complementar, que reafirmou e aditou novas razões ao voto originário, prolatado em 18 de julho. Em 29 de agosto, o conselheiro Renato Azeredo, devolvendo vistas, havia votado favoravelmente ao leilão da CORSAN. O Conselheiro Estilac Xavier acompanhou o voto da Relatora, consolidando a maioria para a anulação do leilão.
O novo voto condutor corrigiu dados do voto originário, explicitou conceitos e adendou razões às inúmeras já levantadas para anular o certame. Em seu voto divergente, o conselheiro Renato havia apontado inconsistências no cálculo trazido pela Relatora e no voto complementar esta demonstrou, à saciedade, que ditas inconsistências foram causadas pelo próprio Banco Genial e em nada influíam na conclusão geral. Foram apenas precisados números que de toda maneira comprovam “o enorme descolamento entre a realidade e as projeções” efetivadas pelas consultorias contratadas.
A Conselheira Relatora apontou longa e fundamentadamente as “incongruências na modelagem” utilizada pelas consultorias, que “comprometem a idoneidade do trabalho de composição do preço básico”. Contratadas pela CORSAN, com dispensa de licitação, as consultorias “subestimaram a eficácia da companhia”. Enquanto as projeções de faturamento foram bastante próximas à realidade, as projeções de lucro foram severamente reduzidas. As consultorias projetaram um desempenho ruim da companhia a curto, médio e longo prazos, sem relação real com os dados que já eram conhecidos, desde o segundo semestre de 2022.
A Conselheira Relatora conclui que as projeções irreais e pessimistas foram fator fundamental de afastamento das empresas do leilão. Dez empresas consultaram o Data Room mantido pelo Governo do Estado e somente uma apresentou proposta. E certamente não é uma coincidência que a única que apresentou proposta trabalha com a CORSAN, em regime de Parceria Público- privada na região metropolitana da capital já há vários anos…
A Conselheira Relatora, também, mostrou o açodamento do processo de venda. As recomendações feitas pela Agergs, agência reguladora, tempestivamente, foram simplesmente ignoradas. As normativas internas do próprio TCE quanto ao processo de privatização igualmente foram descumpridas. Os prazos legais não foram respeitados e mesmo determinações de fundamental importância da CVM- Comissão de Valores Mobiliários, como a aprovação do preço mínimo pela assembleia de acionistas da empresa também não foram seguidas. Somente estes já seriam motivos suficientes para nulificar o leilão.
Recordemos que o contrato foi assinado em 7 de julho em facedeumadecisãodoTribunalPlenodoTCE,aindanocursodainstruçãodoprocesso 19728, fundada na pretensa regularidade do procedimento de privatizaçãoqueestariaassentadanosparecerestécnicosdoTCEconstantesdaqueleexpediente. A proclamação do resultado do julgamento no último dia 24 torna essadecisãoinconsistenteeinaceitável.
O voto vencedor funda-se em dados mais recentes e mais completos que aqueles dos pareceres citados pelo Conselheiro Presidente, que não analisaram quaisquer das razões que efetivamente fundamentam a decisão que anulou o leilão. Não há como opor, técnica e faticamente, os pareceres internos da instrução ao voto vencedor. Este aniquilou a linha de defesa do Estado, que se cingia a invocar a regularidade do processo com base em pareceres técnicos que caducaram perante os novos dados trazidos pela Relatora. O TCE deveria mandar a Aegea afastar-se da gestão da CORSAN. No mínimo, o voto da Relatora recomenda severas restrições no poder de gestão da adquirente, de modo a não aprofundar os prejuízos do Erário.
A empresa adquirente, em sua gestão, que juridicamente tem caráter precário, comporta-se como definitiva dona, impondo inclusive alterações em antigos contratos de programa de municípios que não aderiram aos aditivos apresentados pela CORSAN pública, aditivos estes que, aliás, a Relatora considera nulos. Os riscos para o saneamento público no Rio Grande do Sul desta situação esdrúxula são imensos.
A leitura atenta e desapaixonada do longo e judicioso voto vencedor nos permite concluir que existem, no mínimo, sérios indícios de que o Governo do Estado teria montado um processo de privatização açodado e ilegal. Contratou, sem licitação, consultorias escolhidas a dedo, que se utilizaram de critérios e dados que criaram um panorama assustador da CORSAN como uma companhia ineficiente, descolados, porém, da realidade verificada. Isto afastou as empresas que poderiam disputar o leilão, onde permaneceu apenas aquela que, em
face de seus longos anos de convivência com a CORSAN, poderia de fato conhecer a real situação da companhia, situação esta que, como demonstrou o voto, era e é muito melhor que aquela produzida pelo Estado para justificar a venda. Caberá ao Ministério Público aprofundar as investigações que se abrem com a decisão da 1ª Câmara do TCE/RS.
Mas, por qualquer ângulo técnico e jurídico que se veja, o leilão da CORSAN não pode prosperar.
Porto Alegre, 25 de outubro de 2023
Equipe técnica da COP Advogados